3 de agosto de 2011

Delegado do Distrito Federal relata crime em forma de poesia


'Tive vontade de transmitir uma mensagem a quem fosse ler', diz delegado. Documento teve que ser reescrito para ser enviado ao Poder Judiciário

O delegado Reinaldo Lobo, da 29ª DP, no Riacho Fundo, a 18 quilômetros de Brasília, surpreendeu a Corregedoria da Polícia Civil ao registrar, no dia 26 de julho, um crime em forma de poesia.

O documento apresentado pelo delegado faz parte do inquérito policial, formado ainda pelo auto de prisão em flagrante, as oitivas e o relatório. A peça final, única feita em poesia, não foi aprovada e teve que ser refeita.

O relatório dizia respeito a um crime de receptação, ocorrido na noite de 22 de julho, quando um homem foi flagrado por policiais militares na garupa de uma motocileta roubada.

"O preso pediu desculpa/disse que não tinha culpa/pois estava só na garupa/foi checada a situação/ele é mesmo sem noção/estava preso na domiciliar/não conseguiu mais se explicar", escreveu o delegado sobre a abordagem ao suspeito.

Mais adiante, o delegado prossegue: "Se na garupa ou no volante/sei que fiz esse flagrante/desse cara petulante/que no crime não é estreante".

O preso pediu desculpa Disse que não tinha culpa Pois só estava na garupa Foi checada a situação Ele é mesmo sem noção Estava preso na domiciliar Não conseguiu mais se explicar A motocicleta era roubada

A sua boa fé era furada"Trecho do relatório produzido pelo delegado Reinaldo LoboA vontade de fazer um trabalho diferente motivou a redação do poema, disse o delegado. “O nosso trabalho é um pouco de idealismo. Apesar de muito árduo, ele é um pouco de fantasia, de você lutar pela reconstrução e pela melhora do mundo. Acho que isso traz muita realização e eu quis transformar isso em arte, daí a ideia da poesia.”

No relatório em forma de poema, o delegado explica a inovação: "Resolvi fazê-lo em poesia/pois carrego no peito a magia/de quem ama a fantasia/de lutar pela paz contra qualquer covardia".

Lobo disse ao G1 que sua intenção era chamar a atenção de quem fosse ler o inquérito, afirmou. “Nos deparamos com situações difíceis. Naquela noite, tive vontade de transmitir uma mensagem a quem fosse ler aquele inquérito.”

Apesar da criatividade, o relatório retornou da Corregedoria com o pedido de que fosse escrito nos padrões da polícia. Lobo achou melhor solicitar o ajuste a outro delegado. “Não existe nada que regre a redação oficial de um relatório. O Código de Processo Penal só exige que se narre o caso e se citem as informações importantes. O delegado deve ter liberdade de fazer isso”, defende.

Esta foi a primeira vez que Reinaldo Lobo escreveu um relatório em poesia. Apesar de o formato não ter sido aceito pela Corregedoria, não houve nenhum tipo de punição ao delegado, que não abandonou completamente a ideia.

Nosso trabalho é um pouco de idealismo. Apesar de muito árduo, ele é um pouco de fantasia, de você lutar pela reconstrução e pela melhora do mundo. Acho que isso traz muita realização e eu quis transformar isso em arte, daí a ideia da poesia"Delegado Reinaldo Lobo“Vou tentar um diálogo com a Corregedoria para tentar ver o que é possível fazer em harmonia”, afirmou o delegado, fazendo rima.

A Corregedoria da Polícia Civil não se pronunciou sobre o caso até o fim da manhã desta quarta-feira.

O homem que estava na garupa da motocicleta roubada foi autuado em flagrante por receptação. Até o envio do relatório, informa Lobo, o rapaz permanecia preso no sistema penitenciário, porque, como escreveu em seu inquérito-poema, "a fiança foi fixada/e claro não foi paga".

Veja a íntegra do relatório do delegado

"Já era quase madrugada Neste querido Riacho Fundo Cidade muito amada Que arranca elogios de todo mundo

O plantão estava tranqüilo Até que de longe se escuta um zunido E todos passam a esperar A chegada da Polícia Militar

Logo surge a viatura Desce um policial fardado Que sem nenhuma frescura Traz preso um sujeito folgado

Procura pela Autoridade Narra a ele a sua verdade Que o prendeu sem piedade Pois sem nenhuma autorização Pelas ruas ermas todo tranquilão Estava em uma motocicleta com restrição

A Autoridade desconfiada Já iniciou o seu sermão Mostrou ao preso a papelada Que a sua ficha era do cão Ia checar sua situação

O preso pediu desculpa Disse que não tinha culpa Pois só estava na garupa

Foi checada a situação Ele é mesmo sem noção Estava preso na domiciliar Não conseguiu mais se explicar A motocicleta era roubada A sua boa fé era furada

Se na garupa ou no volante Sei que fiz esse flagrante Desse cara petulante Que no crime não é estreante

Foi lavrado o flagrante Pelo crime de receptação Pois só com a polícia atuante Protegeremos a população

A fiança foi fixada E claro não foi paga E enquanto não vier a cutucada Manteremos assim preso qualquer pessoa má afamada

Já hoje aqui esteve pra testemunhá A vítima, meu quase chará Cuja felicidade do seu gargalho Nos fez compensar todo o trabalho

As diligências foram concluídas O inquérito me vem pra relatar Mas como nesta satélite acabamos de chegar E não trouxemos os modelos pra usar Resta-nos apenas inovar

Resolvi fazê-lo em poesia Pois carrego no peito a magia De quem ama a fantasia De lutar pela Paz ou contra qualquer covardia

Assim seguimos em mais um plantão Esperando a próxima situação De terno, distintivo, pistola e caneta na mão No cumprimento da fé de nossa missão


Riacho Fundo, 26 de Julho de 2011

Del REINALDO LOBO 63.904-4"


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