4 de novembro de 2011

Exame de Ordem é constitucional, decide Supremo

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quarta-feira (26/10), que o Exame de Ordem é constitucional. De acordo com os ministros, a exigência de aprovação na prova aplicada pela Ordem dos Advogados do Brasil para que o bacharel em Direito possa se tornar advogado e exercer a profissão não fere o direito ao livre exercício do trabalho previsto na Constituição Federal.
Segundo a decisão, o Exame de Ordem é um instrumento correto para aferir a qualificação profissional e tem o propósito de garantir condições mínimas para o exercício da advocacia, além de proteger a sociedade. "Justiça é bem de primeira necessidade. Enquanto o bom advogado contribui para realização da Justiça, o mau advogado traz embaraços para toda a sociedade", afirmou o relator do processo, ministro Marco Aurélio.
Sobraram críticas à proliferação dos cursos de Direito de baixa qualidade no país e ao fato de que grande parte das faculdades vende sonhos, mas entrega pesadelos, como disse Marco Aurélio. "O crescimento exponencial dos bacharéis revela patologia denominada bacharelismo, assentada na crença de que o diploma de Direito dará um atestado de pedigree social ao respectivo portador", sustentou o ministro.
O relator do recurso entendeu que a lei pode limitar o acesso às profissões e ao seu exercício quando os riscos da atuação profissional são suportados pela sociedade. Ou seja, se o exercício de determinada profissão pode provocar danos a outras pessoas além do indivíduo que a pratica, a lei pode exigir requisitos e impor condições para o seu exercício. É o caso da advocacia.
Em um voto longo, o ministro Marco Aurélio rebateu todos os pontos atacados pelo bacharel em Direito João Antonio Volante, que recorreu ao STF contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que julgou legítima a aplicação do Exame de Ordem pela OAB. O recurso foi infrutífero.
De acordo com o relator do recurso, o exercício de determinadas profissões ultrapassa os interesses do indivíduo que a exerce. Quando o risco da profissão é apenas do próprio profissional, como no caso dos mergulhadores, o Estado impõe reparação em dinheiro, com adicionais de insalubridade, por exemplo. Mas quando o risco pode determinar o destino de outras pessoas, como no caso dos médicos e dos engenheiros, cabe ao Estado limitar o acesso a essa profissão, impondo condições, desde que não sejam irrazoáveis ou inatingíveis.
As condições e qualificações servem para proteger a sociedade, disse Marco Aurélio. Segundo ele, é sob essa ótica que se deve enxergar a proteção constitucional à dignidade humana na discussão do Exame de Ordem. O argumento contrapõe a alegação do bacharel, de que a prova da OAB feria o direito fundamental ao trabalho. Logo, seria uma afronta à dignidade humana.
A alegação não surtiu efeito. "O perigo de dano decorrente da prática da advocacia sem conhecimento serve para justificar a restrição ao direito de exercício da profissão?", questionou Marco Aurélio. Ele mesmo respondeu: "A resposta é positiva."
Decisão unânime
Os outros oito ministros presentes no julgamento também decidiram que o Exame de Ordem vem ao encontro do que determina o inciso XIII do parágrafo 5º da Constituição: "É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer." Para os ministros, o Estatuto da Advocacia atende exatamente ao comando constitucional.
Ao votar depois de Marco Aurélio, o ministro Luiz Fux afirmou que o Exame de Ordem é uma condição para o exercício da advocacia pela qual se verifica se o indivíduo tem qualificação técnica mínima para exercer a profissão. E que não conhece forma melhor para verificar essas qualificações. Não admitir a verificação prévia da qualificação profissional é como admitir "o arrombamento da fechadura para só depois lhe colocar o cadeado".
Fux, no entanto, fez críticas aos critérios de transparência da OAB. Para ele, a OAB tem de abrir o Exame para a fiscalização externa. Hoje, a Ordem aplica a prova e faz a fiscalização. De qualquer maneira, o ministro destacou que o Exame é baseado em critérios impessoais.
Depois de Fux, Toffoli votou acompanhando o ministro Marco Aurélio sem comentários. O voto foi comemorado como uma lição de racionalidade do julgamento. A ministra Cármen Lúcia, em seguida, fez pequenas considerações e também decidiu pela constitucionalidade do Exame de Ordem.
O ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto, também destacou a "higidez e transparência do Exame de Ordem" que, segundo ele, é fundado em critérios impessoais e objetivos e garante aos candidatos o direito ao contraditório. Ou seja, assegura o direito de recurso.
Ao votar também em favor do Exame de Ordem, o ministro Ayres Britto fez um paralelo com a exigência de concurso para juízes. "Quem tem por profissão interpretar e aplicar a ordem jurídica deve estar preparado para isso. O mesmo raciocínio se aplica ao Exame de Ordem", disse. Os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, completaram o julgamento que, por unanimidade, confirmou a constitucionalidade do Exame de Ordem.
Gilmar Mendes fez comentários com base em direito comparado e lembrou que em outros países também se sabe, de antemão, que o diploma é de bacharel em Direito e que para exercer a advocacia é necessário passar em testes de qualificação. Mas, como Luiz Fux, Mendes defendeu uma fiscalização maior para o Exame de Ordem. "É preciso que haja uma abertura para certo controle social do Exame para que ele cumpra sua função constitucional".
Para o ministro Celso de Mello, a exigência de Exame de Ordem é inerente ao processo de concretização das liberdades públicas. O decano do Supremo afirmou que a legitimidade da prova da OAB decorre, também, do fato de que direitos poderão ser frustrados se houver permissão para que "pessoas despojadas de qualificação e desprovidas de conhecimento técnico" exerçam a advocacia.
A sessão foi tranquila apesar do clima de animosidade entre bacharéis e dirigentes da Ordem. O presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Junior, foi levemente hostilizado em alguns momentos. Em um deles, no intervalo da sessão, quando foi abordado por um bacharel que reclamou do termo "imperícia" usado em sua sustentação oral. Ophir manteve-se tranquilo.
Quando o placar já apontava a constitucionalidade do Exame de Ordem, um bacharel se levantou e bradou: "Eu sou advogado". Os seguranças, então, retiraram o bacharel e outras dez pessoas do plenário que fizeram menção de se manifestar. Uma mulher retirada passou mal e foi atendida pelo serviço médico do Supremo. Alguns bacharéis choraram. Ao final da sessão, a segurança do STF estava alerta para qualquer nova manifestação, mas os bacharéis em plenário já estavam resignados.
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, classificou como "uma vitória da cidadania brasileira" a decisão do STF. "Além de a advocacia ter sido contemplada com o reconhecimento de que a qualidade do ensino é fundamental na defesa do Estado Democrático de Direito, a cidadania é quem sai vitoriosa com essa decisão unânime do STF. Isso porque ela é a grande destinatária dos serviços prestados pelos advogados", afirmou Ophir ao conceder entrevista após as seis horas de julgamento da matéria em plenário.
Para Ophir, a constatação a que os nove ministros chegaram é a de que, em razão da baixa qualidade do ensino jurídico no país, o Exame de Ordem é fundamental tanto para incentivar os bacharéis a estudar mais quanto para forçar as instituições de ensino a melhorarem a formação oferecida. Segundo ele, quem mais ganha com isso é a sociedade.
Questionado no que a decisão do STF mudará o Exame de Ordem, o presidente da OAB afirmou que nada muda. No entanto, a decisão faz crescer a responsabilidade da entidade no sentido de trabalhar para aperfeiçoar a prova. "Trabalharemos mais para que o exame seja cada vez mais justo, capaz de aferir as condições técnicas e a capacitação daqueles que desejam ingressar na advocacia", finalizou.
Clique aqui para ler o voto do ministro Marco Aurélio.

10 de agosto de 2011

Dolo eventual e culpa consciente em acidente de trânsito

Por Pierpaolo Cruz Bottini

 A distinção entre culpa consciente e dolo eventual tem ocupado não apenas as pautas acadêmicas, mas também o noticiário nacional. Trágicos acidentes de trânsito decorrentes de graves violações das normas de cuidado, com vítimas fatais, trazem a discussão sobre a natureza dos delitos dos motoristas: homicídio doloso ou culposo? Dolo eventual ou culpa consciente? A competência para o julgamento é do juiz singular (culpa consciente) ou do Tribunal do Júri (dolo eventual)?

A resposta a tais questões exige um retorno à dogmática e aos conceitos desenvolvidos pelas escolas e juristas em busca de definições que orientem o intérprete das normas penais.

O ato típico do delito é composto por aspectos objetivos — conduta descrita na norma penal — e subjetivos. Neste ultimo plano verifica-se se o resultado — ou a periculosidade — é fruto da vontade final (dolosos) do agente, do agir imprudente (culposos), ou está ligado àquela zona de consciência cinzenta que caracteriza o dolo eventual e a culpa consciente.

E aqui surgem os problemas, justamente nesta fronteira imprecisa entre o dolo eventual e a culpa consciente, conceitos de difícil definição diante da complexidade de “reproduzir linguisticamente de maneira adequada um fenômeno psicologicamente sutil” [1]. Mas a identificação de critérios que revelem os contornos de tal sutileza é importante porque existem reflexos práticos fundamentais ligados à natureza de cada instituto, como a definição do tipo penal — com grandes diferenças de pena em abstrato — e da competência para o julgamento.

As teorias que buscam diferenciar dolo eventual da culpa consciente são variadas, mas podemos destacar três: a teoria da indiferença, a teoria da representação e a teoria objetiva do risco.

Para a teoria da indiferença — defendida por Engish e parte dos autores brasileiros — o dolo eventual se caracteriza pela indiferença do autor quanto à lesão ao bem jurídico, enquanto que na culpa consciente a causação do resultado é considerada inaceitável pelo agente. Assim, o condutor de um veículo agirá com dolo eventual se constatada sua indiferença quanto ao resultado morte de qualquer pedestre ou motorista.

Critica-se tal teoria pelo reducionismo do dolo eventual. Em muitos casos, o agente tem o efetivo desejo que o resultado lesivo não ocorra, que a causação da morte ou lesão não aconteçam, mas prevê tal possibilidade e continua com seu comportamento. É o caso do motorista que viola as normas de trânsito, percebe a possibilidade de atropelar alguém, mas deseja sinceramente que nada ocorra, que ninguém entre em seu raio de ação e se machuque. Não há indiferença, no entanto existe dolo eventual porque há aceitação do risco.

Outra teoria é a da representação — Schröder e Schmidhäuser — para a qual o dolo eventual é caracterizado pela percepção do risco pelo agente. Assim, se o condutor do veículo percebe — ao ultrapassar os limites de velocidade — que cria um risco e é possível a eventual lesão ou morte de alguém em decorrência daquele comportamento, haverá dolo eventual, independente de sua vontade em relação a tal resultado — seja indiferença, seja certeza de que nada ocorrerá. A mera representação da possibilidade de uma lesão já basta para o dolo eventual.

A crítica à teoria decorre aqui de sua abrangência, pois estende demais o conceito de dolo eventual. Basta a percepção da criação do risco para o dolo eventual, mesmo que o condutor tenha certeza de que nada vai acontecer devido à sua habilidade ou ao fato de ter tomado cuidados para evitar o resultado lesivo. Roxin usa um exemplo singular para ilustrar a questão. O artista de circo que atira facas em sua assistente sabe da possibilidade de acertá-la, mas confia na não ocorrência do resultado devido à sua perícia no manejo dos instrumentos. Se, por uma tragédia, uma das facas lesiona ou mata a assistente, não há dolo eventual, mas culpa consciente, porque ausente qualquer aceitação ou vontade de resultado, mas apenas uma representação de possibilidade, insuficiente para transformar a tragédia ou a imprudência em dolo[2].

A teoria do risco vê no grau de violação da norma de cuidado o critério para a distinção entre culpa consciente e dolo eventual. Para este pensamento, o comportamento muito imprudente, que ultrapasse intensamente o risco permitido, já revela dolo eventual, independente do que quer ou pensa o autor. É a construção adotada por parte significativa da jurisprudência:
"(..) 6. Para configuração do dolo eventual não é necessário o consentimento explícito do agente, nem sua consciência reflexiva em relação às circunstâncias do evento. Faz-se imprescindível que odolo eventual se extraia das circunstâncias do evento, e não da mente do autor, eis que não se exige uma declaração expressa do agente" (STF, HC 91.159, grifos nossos).

A proposta de afastar completamente a mente do autor, o aspecto subjetivo para diferenciar o dolo eventual da culpa consciente não parece acertada porque transforma em dolosa qualquer conduta que viole normas de cuidado e cause um resultado. Qualquer imprudência que resulte na lesão ou morte de alguém será dolosa se o juiz não perscrutar a mente do autor.

Em síntese, a diferença entre culpa consciente e dolo eventual não reside no grau de risco criado, nem apenas no conhecimento dos riscos nem na indiferença em relação aos bens jurídicos, mas na agregação de todos os elementos apontados.

Tanto no dolo eventual quanto na culpa consciente o agente deve criar um risco não permitido e perceber que cria este risco. Em ambos o condutor sabe que viola normas de cuidado. Mais do que isso, em ambos o agente não quer o resultado, não deseja a lesão do bem jurídico. Ou seja, não há indiferença em relação à possibilidade de causar um resultado, mas uma sincera vontade de preservar o bem jurídico.

A distinção é: na culpa consciente o agente — por algum motivo — tem certeza que não ocorrerá o resultado, enquanto que no dolo eventual o autor tem dúvidas sobre isso e mesmo assim continua agindo. Assim, o condutor que percebe que está em alta velocidade, mas acredita que, devido à sua habilidade e perícia ao volante, evitará qualquer colisão, está em culpa consciente. Já o motorista que sabe que anda acima da velocidade permitida e representa/percebe a possibilidade de causar um acidente, tem dolo eventual, mesmo que deseje ou tenha esperança de não lesionar outrem.

O espaço entre confiar e desejar separa o dolo eventual da culpa consciente. Não se nega a dificuldade de encontrar tais elementos no processo penal, mas se quisermos manter um conceito de delito relacionado com a intenção do agente e uma ideia de Direito Penal como um conjunto de normas motivadoras e não um instrumento de imputação aleatória de resultados, não devemos abrir mão dos aspectos subjetivos, que embora sutis e de difícil revelação, são a garantia de uma dogmática mais humana[3].


Fonte: http://www.conjur.com.br/2011-ago-09/direito-defesa-dolo-eventual-culpa-consciente-acidente-transito

Doutrina precisa definir guerra cibernética


As cotidianas reportagens a respeito do que parece estar se consolidando como um novo tipo de conflito entre os países sugere que o tema não pode mais ser evitado ou menosprezado. Expressões como corrida armamentista virtual, guerra fria no ciberespaço, “pearl harbor eletrônico”, “11 de setembro digital” e “cibergedom” deixam de parecer especulações para ocupar espaço entre as questões relevantes para todos os países.

Exemplo disso é o relatório[1] recentemente divulgado pela empresa de segurança da informação McAfee, do que supostamente seria a mais ampla série de ataques cibernéticos do mundo - o qual poderia ter um protagonista estatal na sua origem sem indicar qual – envolvendo espionagem de mais de setenta organizações, governos e empresas nos últimos cinco anos. Especialistas apontam para a China como possível responsável pelos ataques [2].

Em junho de 2011[3], diversos portais governamentais brasileiros, como da Presidência da República, da Receita Federal e da Petrobras, foram alvos de ataques cibernéticos assumidos pelo grupo Lulz Security Brazil, um braço do grupo internacional que também já teria invadido servidores da agência de inteligência e da polícia federal americanas, a CIA e o FBI, respectivamente. O grupo afirmou, no Twitter, que o ataque seria um protesto contra a corrupção e o aumento dos combustíveis. No mesmo período, o grupo Fatal Error Crew[4], que já havia atacado o portal da Presidência em janeiro de 2011, divulgou o endereço de 500 portais de prefeituras e câmaras municipais atacadas. Em audiência pública realizada em julho de 2009 pela Câmara dos Deputados[5], Raphael Mandarino Júnior, diretor de segurança da informação do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, relatou que uma quadrilha do Leste Europeu invadiu um servidor de computadores de um órgão público, trocou a senha e pediu um resgate de US$ 350 mil para devolver a senha antiga, o que não ocorreu porque o controle foi recuperado.

Em outubro de 2010, o vírus “stuxnet”, supostamente desenvolvido pelos governos israelense e americano[6], foi infiltrado, possivelmente por um pen drive, nos sistemas do reator nuclear de Bushehr, no Irã, construído pela Rússia, com a finalidade de inutilizar centrífugas aumentando sua rotação enquanto sinais de normalidade eram enviados para o controle. O episódio afetou o projeto nuclear iraniano e por isso é amplamente noticiado como espécie de ataque de guerra cibernética.

Os ataques sofridos pela Estônia[7], país amplamente informatizado, em 2007, deflagrado pela remoção de um memorial de guerra da era soviética de uma praça da capital Tallinn, culminou com uma série de ataques cibernéticos dirigidos contra portais do governo, da imprensa e de empresas privadas, causando um “blackout” na internet estoniana por várias semanas. Levou meses para ser totalmente superado. Os ataques foram atribuídos à Rússia - que oficialmente negou a acusação -, mas tiveram origem em diversos locais, incluindo supostos provedores do governo russo. Razão pela qual o episódio é considerado a primeira guerra cibernética, embora não declarada. Tal episódio, sem precedentes, levou a OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte a enviar especialistas em terrorismo virtual à Estônia para auxiliar nas investigações e a criar o Centro de Excelência para a Cooperação em Defesa Cibernética, em maio de 2008, na Estônia[8]. Ataques similares à Geórgia, em 2008[9], também atribuídos e não reconhecidos pela Rússia, ocorreram poucas semanas antes e durante um conflito entre os dois países, também causaram um apagão cibernético, afetando agências governamentais e infraestruturas tecnológicas pouco antes da chegada dos russos.

Em setembro de 2007, Israel realizou ataque aéreo à Síria[10] para bombardear uma suposta usina nuclear que seria construída com a Coréia do Norte; o governo israelense teria se infiltrado no sistema de defesa aérea da Síria, porque os aviões israelenses não foram detectados por radares, o que possivelmente ocorreu em razão da utilização de programas específicos para burlar os sistemas sírios de controle de tráfego, que transmitiram sinais falsos.

Também em 2007, a China[11] foi acusada de atacar redes governamentais, instalando programas (trojan horses) no sistema de e-mails do Departamento de Defesa americano, no Pentágono, nos computadores do governo da Inglaterra, nos computadores dos ministros e da chanceler alemã Angela Merkel. A China negou as acusações, mas admitiu que seus programas contemplam a utilização de computadores em eventuais ações militares. Recentemente, em maio de 2011, hackers chineses afirmam ter invadido o sistema da rede elétrica da Letônia[12].

A Coreia do Norte é apontada como responsável pelos ataques realizados em julho de 2009 contra sites governamentais, de instituições financeiras e de imprensa nos Estados Unidos e na Coréia do Sul, manipulando aproximadamente 40 mil “computadores zumbis”[13].

Além dos poucos exemplos, aleatoriamente citados apenas para ilustrar os possíveis conflitos no espaço cibernético envolvendo governos, milhares de ocorrências similares ocorrem diariamente no mundo, o que explica porque o tema está nas prioridades da agenda mundial, com diversos países e organizações internacionais preocupadas com o assunto e implantando estruturas e estratégias de defesa e segurança cibernética.

O ambiente cibernético pode ser considerado um novo domínio ou palco de batalha, depois da terra, do mar, do ar, do espaço exterior e do espectro eletromagnético. Os contornos da guerra cibernética, todavia, contemplam fatores e variáveis diversos que exigem novos raciocínios de defesa, pois as hostilidades no ambiente cibernético podem se desenrolar de formas distintas, que nem sempre permitem identificar o oponente e seus objetivos, a real origem, muito menos o momento e o impacto do ataque. Por isso, embora alguns conceitos da guerra cinética possam ser aplicados à guerra cibernética, outros chegam a ser antagônicos, embora seja certo que os efeitos de um ataque cibernético possam ser tão ou até mais nefastos quanto os de uma guerra convencional se afetarem as infraestruturas críticas de um país[14].

Em tal cenário, despontam intrincados desafios decorrentes do caráter transnacional e do entrelaçamento de diferentes ordenamentos jurídicos pelos mecanismos de funcionamento do espaço cibernético[15], cuja dinâmica nem sempre segue a lógica de fronteiras, território e soberania - conceitos a serem repensados particularmente para a solução de conflitos e para o combate aos crimes, as quais estão se multiplicando na medida em que as frestas e falhas sistêmicas estão sendo percebidas e utilizadas para a espionagem comercial e industrial e para a prática de crimes que o mundo inteiro conhece, mas tem dificuldade para definir e combater.

Se por um lado alguns países estão dialogando na tentativa de estabelecer normas internacionais para propiciar segurança jurídica e estabelecer regras de cooperação no combate e na investigação dos ilícitos cibernéticos, por outro, paradoxalmente, também estão aumentando as ameaças e ataques entre diferentes países com o emprego de tecnologias da informação, assim deflagrando um possível novo tipo de guerra que exige o desenvolvimento de novas estratégias de segurança, defesa e ataque.

De acordo com o glossário das Forças Armadas[16], guerra cibernética é “o conjunto de ações para uso ofensivo e defensivo de informações e sistemas de informações para negar, explorar, corromper ou destruir valores do adversário baseados em informações, sistemas de informações e redes de computadores. Estas ações são elaboradas para obtenção de vantagens tanto na área militar quanto na área civil.” Trata-se, portanto, de operações defensivas ou ofensivas realizadas no espaço cibernético. É diferente da guerra eletrônica, definida como “o conjunto de ações que visam explorar as emissões do inimigo, em toda a faixa do espectro eletromagnético, com a finalidade de conhecer a sua ordem de batalha, intenções e capacidades, e, também, utilizar medidas adequadas para negar o uso efetivo dos seus sistemas, enquanto se protege e utiliza, com eficácia, os próprios sistemas.”

Uma característica atribuída à guerra cibernética é a assimetria, pois um pequeno grupo de pessoas, ou mesmo um único indivíduo detentor de informações e conhecimentos específicos, com poucos recursos, pode representar uma grande ameaça a uma organização ou a um Estado, elos mais fortes, porém mais vulneráveis na medida em que seu gigantismo e complexidade podem dificultar um controle constante e efetivo de seus sistemas e ativos de informação. Além disso, pode ser difícil identificar o inimigo, porque além da relativização das distâncias, a lógica do espaço cibernético está vinculada a aspectos técnicos e não geográficos. Os bits podem percorrer grandes distâncias, passando por diversos territórios, em pouco tempo, dificultado o rastreamento e a identificação da origem e autoria de um ataque cibernético.

Existe uma corrente que não reconhece a existência da guerra cibernética, porque, em termos legais, o estado de guerra pressupõe uma declaração, não obstante seja reconhecida a necessidade das medidas de segurança para combater outros crimes e espionagem[17]. Richard Clarke[18], autor da obra Cyber War: the next threat to national security and what to do about it, responsável pela estratégia de combate ao terrorismo cibernético no Governo Bush e pelo estudo que levou Barack Obama a criar o comando de defesa cibernética, afirma que, se um país declarar guerra contra o outro, os ataques cibernéticos ocorrerão com a frequência de uma guerra comum e serão utilizados, por exemplo, para derrubar redes elétricas[19]. Na sua definição, “cyber warfare is the unauthorized penetration by, on behalf of, or in support of, a government into another nation’s computer or network, or any other activity affecting a computer system, in which the purpose is to add, alter, or falsify data, or cause the disruption of or damage to a computer, or network device, or the objects a computer system controls.”[20]

A guerra cibernética de que ora se trata, portanto, diz respeito aos conflitos que podem envolver diferentes países, algo diverso dos atos criminosos ou terroristas que podem ser praticados no espaço cibernético, não obstante seja bastante provável que qualquer país que pretenda realizar uma ofensiva contra outro busque camuflar suas ações como tais, razão pela qual os temas podem estar conectados, embora sejam distintos.

O fato é que ainda não existem definições e doutrina consolidadas, muito menos normas jurídicas a respeito da guerra cibernética. Não obstante, o fato é que os países estão se mobilizando para desenvolver novas estratégias de defesa e segurança porque alguns eventos envolvendo o espaço cibernético já foram suficientes para evidenciar não apenas as vulnerabilidades, mas também o efetivo potencial das ameaças cibernéticas para colocar em risco a segurança dos países e estremecer as relações internacionais.



Desafios estratégicos e jurídicos

Com a crescente dependência tecnológica, é possível observar que a defesa e a segurança do espaço cibernético são questões cada vez mais estratégicas, sendo certo que nenhum país pode prescindir da capacidade de dissuasão, enfrentamento e neutralização das ameaças cibernéticas para preservar sua soberania e autodeterminação, o que é cada vez mais desafiador em razão da relativização das fronteiras e do território em tal contexto.

Para enfrentar adequadamente o problema, tão importante quanto aumentar os investimentos é desenvolver doutrinas e capacidade crítica suficiente para saber diferenciar as especulações e os oportunismos das efetivas ameaças e, assim, ser possível avaliar a real demanda, a confiabilidade da cadeia de fornecimento e a eficiência dos recursos investidos, discernimento que é fundamental para o adequado tratamento de cada situação, ainda que elas possam se confundir muitas vezes.

Além disso, é indispensável gerar sinergia entre as soluções tecnológicas com os componentes humanos, com a capacitação e adequada formação de agentes públicos, civis e militares, especialmente de servidores e fornecedores de produtos e serviços estratégicos, que são alvos de investigação bastante previsíveis na preparação de ataques cibernéticos.

Com base em tais premissas, os países estão organizando estruturas para aumentar a defesa e a segurança dos seus interesses e da sua soberania no espaço cibernético, desenvolvendo doutrinas militares e inteligência cibernética, até porque qualquer ataque é preparado com antecedência, como salienta Richard Clarke, segundo o qual “os países já estão se infiltrando nas redes uns dos outros, e instalando ‘portas dos fundos’, para terem acesso rápido a essas redes quando precisarem”, pois “para realizar um ataque cibernético é preciso fazer com que os trens parem, que a água deixe de ser bombeada, que oleodutos explodam, que a energia seja cortada. Para fazer essas coisas na hora em que você deseja, é preciso ter invadido as redes. Se o presidente disser a você que quer fazer tal coisa, não é possível começar naquele dia e tentar invadir as redes”.

No Brasil, o setor cibernético é definido como estratégico e essencial na Estratégia de Defesa Nacional, de 2008[21], segundo a qual as capacitações cibernéticas se destinarão ao mais amplo espectro de usos industriais, educativos e militares e incluirão como parte prioritária, as tecnologias de comunicação entre todos os contingentes das Forças Armadas de modo a assegurar sua capacidade para atuar em rede. Além de enfatizar que, como decorrência de sua natureza, o setor cibernético transcende a divisão entre defesa e desenvolvimento, civil e militar, também prevê a Estratégia Nacional de Defesa a necessidade de aperfeiçoamento dos dispositivos e procedimentos de segurança que reduzam a vulnerabilidade dos sistemas relacionados à Defesa Nacional contra ataques cibernéticos e, se for o caso, que permitam seu pronto restabelecimento, a cargo da Casa Civil da Presidência da República, dos Ministérios da Defesa, das Comunicações e da Ciência e Tecnologia, e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

O encargo de coordenar e integrar as ações de defesa cibernética nas Forças Armadas foi atribuído ao Exército pela Diretriz Ministerial n° 14, de 2009. Em agosto de 2010 foi ativado o Núcleo do Centro de Defesa Cibernética (CDCiber). Iniciativas semelhantes já existem em diversos outros países, como os Estados Unidos (USCybercom), Alemanha, Reino Unido, Suíça, Suécia, China, Taiwan, Israel, Rússia, Estônia, Coréia do Norte, Coréia do Sul, Irã, etc.

O Livro Verde sobre segurança cibernética no Brasil[22], elaborado em 2010 pelo Departamento de Segurança da Informação e Comunicações do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, descreve o cenário atual e estabelece as diretrizes para a futura elaboração do Livro Branco da Política Nacional de Segurança Cibernética, sendo interessante destacar a proposta de fomentar articulação de acordos internacionais para potencializar a segurança cibernética no País e a capacidade de defesa e dissuasão, bem como a de elaborar a Política Nacional de Segurança das Infraestruturas Críticas, já existindo o Guia de Referência para a Segurança de Infraestruturas Críticas da Informação[23].

Diversos outros órgãos governamentais de alguma maneira interagem constantemente nas questões relacionadas à defesa e à segurança cibernética, tais como o Departamento da Polícia Federal, a Agência Brasileira de Inteligência, o Comitê Gestor da Internet, etc.

Mas, se por um lado, assim como o Brasil, os demais países estão elaborando estratégias de segurança e defesa cibernética, por outro, a comunidade internacional ainda está no estágio embrionário das discussões relativas às normas que devem reger a ameaça mundial do Século XXI, sendo certo que os desafios jurídicos são tão complexos quanto os estratégicos.

As dificuldades existentes na construção de um marco legal para a cooperação e combate ao terrorismo e aos crimes cibernéticos - tal como a Convenção de Budapeste, que está sendo rediscutida sob a coordenação do Embaixador brasileiro em Viena - são potencializadas na discussão das possíveis regras aplicáveis à guerra cibernética, na medida em que a questão envolve outras conseqüências no plano das relações internacionais.

Recentemente, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos anunciou[24] sua primeira estratégia formal de defesa cibernética na qual um ataque cibernético oriundo de outro país, que comprometa estruturas críticas, cause mortes, prejuízos, destruição ou transtornos de algo nível, poderá ser interpretado como ato de guerra e, valendo-se do conceito da equivalência, motivar a resposta com a utilização de força militar convencional. A OTAN está alinhada com tal pensamento, justificando que um ataque cibernético contra uma infraestrutura crítica de um país membro pode ser equivalente a um ataque armado e justificar a retaliação, inclusive medidas de defesa coletiva prevista na sua criação.

A guerra cibernética também foi debatida na última reunião do G8[25], e a Organização das Nações Unidas, além de elaborar uma nova Convenção de caráter global contra o crime cibernético, também já se manifestou favorável a um acordo internacional similar a um tratado para não proliferação de armas virtuais, um acordo de paz preventivo a uma guerra cibernética[26].

As constantes inovações tecnológicas e a dinâmica do espaço cibernético, no qual as distâncias e os conceitos de território, fronteiras e soberania são relativizados, bem como a assimetria que caracteriza a guerra cibernética, constituem desafios adicionais à dificuldade para estabelecer estratégias e regras para disciplinar não apenas a cooperação internacional nas investigações e no combate aos crimes e terrorismo cibernético, cuja regulamentação por si só já é complexa, mas também as regras que deverão reger os possíveis conflitos entre países no espaço cibernético, pois os conceitos da Carta da ONU a respeito da legitimidade ou não do uso da força em casos de legítima defesa ou da intervenção preventiva precisam de adaptação para a nova realidade das relações internacionais.

Por tais razões, é mais do que urgente e relevante estabelecer um consenso mínimo para a criação de regras dotadas de um mínimo de efetividade que estabeleçam parâmetros de ataque e defesa legítimos, ainda que seja difícil fazer tal diferenciação no espaço cibernético.

3 de agosto de 2011

Delegado do Distrito Federal relata crime em forma de poesia


'Tive vontade de transmitir uma mensagem a quem fosse ler', diz delegado. Documento teve que ser reescrito para ser enviado ao Poder Judiciário

O delegado Reinaldo Lobo, da 29ª DP, no Riacho Fundo, a 18 quilômetros de Brasília, surpreendeu a Corregedoria da Polícia Civil ao registrar, no dia 26 de julho, um crime em forma de poesia.

O documento apresentado pelo delegado faz parte do inquérito policial, formado ainda pelo auto de prisão em flagrante, as oitivas e o relatório. A peça final, única feita em poesia, não foi aprovada e teve que ser refeita.

O relatório dizia respeito a um crime de receptação, ocorrido na noite de 22 de julho, quando um homem foi flagrado por policiais militares na garupa de uma motocileta roubada.

"O preso pediu desculpa/disse que não tinha culpa/pois estava só na garupa/foi checada a situação/ele é mesmo sem noção/estava preso na domiciliar/não conseguiu mais se explicar", escreveu o delegado sobre a abordagem ao suspeito.

Mais adiante, o delegado prossegue: "Se na garupa ou no volante/sei que fiz esse flagrante/desse cara petulante/que no crime não é estreante".

O preso pediu desculpa Disse que não tinha culpa Pois só estava na garupa Foi checada a situação Ele é mesmo sem noção Estava preso na domiciliar Não conseguiu mais se explicar A motocicleta era roubada

A sua boa fé era furada"Trecho do relatório produzido pelo delegado Reinaldo LoboA vontade de fazer um trabalho diferente motivou a redação do poema, disse o delegado. “O nosso trabalho é um pouco de idealismo. Apesar de muito árduo, ele é um pouco de fantasia, de você lutar pela reconstrução e pela melhora do mundo. Acho que isso traz muita realização e eu quis transformar isso em arte, daí a ideia da poesia.”

No relatório em forma de poema, o delegado explica a inovação: "Resolvi fazê-lo em poesia/pois carrego no peito a magia/de quem ama a fantasia/de lutar pela paz contra qualquer covardia".

Lobo disse ao G1 que sua intenção era chamar a atenção de quem fosse ler o inquérito, afirmou. “Nos deparamos com situações difíceis. Naquela noite, tive vontade de transmitir uma mensagem a quem fosse ler aquele inquérito.”

Apesar da criatividade, o relatório retornou da Corregedoria com o pedido de que fosse escrito nos padrões da polícia. Lobo achou melhor solicitar o ajuste a outro delegado. “Não existe nada que regre a redação oficial de um relatório. O Código de Processo Penal só exige que se narre o caso e se citem as informações importantes. O delegado deve ter liberdade de fazer isso”, defende.

Esta foi a primeira vez que Reinaldo Lobo escreveu um relatório em poesia. Apesar de o formato não ter sido aceito pela Corregedoria, não houve nenhum tipo de punição ao delegado, que não abandonou completamente a ideia.

Nosso trabalho é um pouco de idealismo. Apesar de muito árduo, ele é um pouco de fantasia, de você lutar pela reconstrução e pela melhora do mundo. Acho que isso traz muita realização e eu quis transformar isso em arte, daí a ideia da poesia"Delegado Reinaldo Lobo“Vou tentar um diálogo com a Corregedoria para tentar ver o que é possível fazer em harmonia”, afirmou o delegado, fazendo rima.

A Corregedoria da Polícia Civil não se pronunciou sobre o caso até o fim da manhã desta quarta-feira.

O homem que estava na garupa da motocicleta roubada foi autuado em flagrante por receptação. Até o envio do relatório, informa Lobo, o rapaz permanecia preso no sistema penitenciário, porque, como escreveu em seu inquérito-poema, "a fiança foi fixada/e claro não foi paga".

Veja a íntegra do relatório do delegado

"Já era quase madrugada Neste querido Riacho Fundo Cidade muito amada Que arranca elogios de todo mundo

O plantão estava tranqüilo Até que de longe se escuta um zunido E todos passam a esperar A chegada da Polícia Militar

Logo surge a viatura Desce um policial fardado Que sem nenhuma frescura Traz preso um sujeito folgado

Procura pela Autoridade Narra a ele a sua verdade Que o prendeu sem piedade Pois sem nenhuma autorização Pelas ruas ermas todo tranquilão Estava em uma motocicleta com restrição

A Autoridade desconfiada Já iniciou o seu sermão Mostrou ao preso a papelada Que a sua ficha era do cão Ia checar sua situação

O preso pediu desculpa Disse que não tinha culpa Pois só estava na garupa

Foi checada a situação Ele é mesmo sem noção Estava preso na domiciliar Não conseguiu mais se explicar A motocicleta era roubada A sua boa fé era furada

Se na garupa ou no volante Sei que fiz esse flagrante Desse cara petulante Que no crime não é estreante

Foi lavrado o flagrante Pelo crime de receptação Pois só com a polícia atuante Protegeremos a população

A fiança foi fixada E claro não foi paga E enquanto não vier a cutucada Manteremos assim preso qualquer pessoa má afamada

Já hoje aqui esteve pra testemunhá A vítima, meu quase chará Cuja felicidade do seu gargalho Nos fez compensar todo o trabalho

As diligências foram concluídas O inquérito me vem pra relatar Mas como nesta satélite acabamos de chegar E não trouxemos os modelos pra usar Resta-nos apenas inovar

Resolvi fazê-lo em poesia Pois carrego no peito a magia De quem ama a fantasia De lutar pela Paz ou contra qualquer covardia

Assim seguimos em mais um plantão Esperando a próxima situação De terno, distintivo, pistola e caneta na mão No cumprimento da fé de nossa missão


Riacho Fundo, 26 de Julho de 2011

Del REINALDO LOBO 63.904-4"


29 de julho de 2011

Esquerda e Direita


"Esquerda" e "Direita" são uma forma comum de classificar posições políticas, ideológicas, ou partidos políticos. A oposição entre as duas correntes é imprecisa, ampla, e consiste numa interpretação dicotômica de uma série de fatores determinantes. Geralmente são entendidas como polaridades opostas de um mesmo espectro político e ideológico. Assim, um partido poderia ser "esquerda" em determinadas instâncias e "direita" em outras. A origem dos termos remonta à Revolução Francesa, onde os membros do Terceiro Estado se sentavam à esquerda do rei enquanto os do clero e da nobreza se sentavam à direita. Os mais radicais que normalmente eram contra as decisões ficaram conhecidos como a esquerda enquanto os favoráveis as decisões eram os de direita.


Não há fatores determinantes e conclusivos que descrevam a "esquerda" ou a "direita", dependendo geralmente dos grupos e viés dos defensores de um lado ou de outro. Geralmente algumas definições usadas para definir os lados:

Esquerda
Intervencionismo econômico
Economia socializada
Estado grande
Igualdade de renda
Coletivismo
A vontade do povo está acima da lei

Direita
Liberalismo econômico
Economia familiar
Estado pequeno
Igualdade de oportunidades
Individualismo
A lei está acima da vontade do povo

Quadro acima pode estar politicamente enviesado

Histórico

Luís XVI teve de declarar a "bancarrota" do Estado. A fim de resolvê-la, convocou em 1788 os Estados Gerais, um parlamento medieval que se tinha reunido pela última vez em 1614 (primeiro estado: o clero; segundo estado: a nobreza; terceiro estado: o resto da população).
Depois de afirmar que o rei não mandava nada, os Estados Gerais transformaram-se em Assembleia Nacional (não dos estados, mas do povo), propôs eleições e dissolveu-se. Nasceram como cogumelos vários clubes políticos. O mais importante foi o clube bretão, de Danton e Robespierre. O clube mudou-se para um convento jacobino, e por isso os seus membros passaram a ser designados por jacobinos. Para outros, este clube era muito burguês, e fundaram o Clube Cordelier, de Marat (o clube reunia no mosteiro Cordelier, franciscano). Do outro lado do espectro político, os monárquicos fundaram o seu próprio clube, o de Lafayette e Talleyrand.
Realizaram-se as eleições e a assembleia foi eleita. Escolheram-se os lugares. Os radicais ficaram do lado esquerdo. Os fiéis ao rei ficaram do lado direito. É daí que vêm as designações "esquerda" e "direita".
É curioso pensar o que seria da política caso os realistas tivessem escolhido o lado esquerdo e os radicais o lado direito.


28 de julho de 2011

É preciso entender a internet antes de se criar leis


A falta de leis específicas para tratar da internet costuma criar a sensação de que os autores de cibercrimes sempre ficarão impunes. Especialistas, entretanto, ressaltam que muitos dos crimes e ofensas no ambiente virtual já estão previstos na legislação em vigor. Criar leis para a internet não é urgente.

A delegada Alessandra Saturnino, coordenadora da Gerência de Crimes de Alta Tecnologia (Getat), da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso, considera exagero falar em impunidade. Ela explica que muitos dos crimes praticados pela internet estão descritos no Código Penal, “só mudam a arma de fogo e o meio usado para atuar, o modus operandi”, diz.

Mas reconhece que faltam leis para o setor. Alessandra acredita que há casos em que existe um “limbo” legislativo, pois nem sempre há previsão legal para as ações. Invadir um site, mas não fazer nada além disso, por exemplo, ainda não pode ser considerado crime. “Existem figuras que estão à margem da lei, e precisamos trazê-las para o mundo jurídico, para a esfera penal.”

O advogado Omar Kaminski, autor do site Internet Legal, entende que há “uma grande histeria” para os casos de crimes considerados sem maiores consequências. Para ele, a sociedade está passando por uma redefinição de valores, e “coisas tolas e bobas” são levadas à delegacia sem razão. Ele acredita que estão usando esse momento como pretexto para convencer as pessoas de questões políticas — como o embate entre a criação do Marco Civil da Internet e a votação do PL 84/99.

A impunidade dos crimes digitais, na visão de Kaminski, é de fundo sociológico. Segundo ele, a internet mudou a forma com que as pessoas se relacionam, bem como a dimensão da repercussão que uma mensagem pode tomar, e é isso que precisa ser discutido. Para o advogado, o que falta é um tratamento adequado para a web, e não uma legislação específica.

"Legismania"
Kaminski acredita que o Brasil sofre de um mal: acha-se que todos os problemas do país podem ser resolvidos com a criação de novas leis, é a "legismania". “Mas isso nunca nos garantiu segurança jurídica até hoje, e nem vai”, afirma.

O advogado Guilherme Bastian, do escritório BKBG, conta que, enquanto não há leis para crimes digitais, o trabalho dos advogados tem sido o de levar informações técnicas aos juízes. Com isso, diz, criam-se jurisprudências que suprem essa lacuna. No entanto, sustenta que para chegar a um entendimento uniforme sobre o assunto, é necessário “correr um caminho um pouco mais longo” do que simplesmente a criação de uma lei.

Bastian reconhece que, se houvesse leis definidoras, o trabalho dos juízes e advogados seria facilitado. Mas defende que não se pode restringir o uso da web com regulações limitantes. “No papel, há decisões muito fáceis de se cumprir, mas no mundo real é impossível”, diz, argumentando que “a solução não é regular, mas sim criar uma forma aberta de se entender as relações [na web]”.

Ivan Lira, juiz titular da 5ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, corrobora a visão de Bastian. Ele defende uma adequação legal, mas não a criação indeterminada de leis, “porque isso acaba criando um processo de hiperpenalização ineficiente”. Lira acredita que o exagero legislativo tende à letra morta, em que os textos “vão direto para a prateleira”.

O juiz acredita que grande parte dos crimes digitais, como as questões relacionadas a direito autoral de software ou invasão de sistemas, já estão previstas na legislação atual. Por isso, acredita que os que reclamam de desamparo legal para a internet estão “equivocados”.

Professor de Direito Penal há 20 anos, Ivan Lira defende o “esvaziamento” de sua área. Não por desprestígio, mas para “dar leveza ao Direito Penal e deixar a ele só o que for impossível de ser tratado em outras áreas”. Ele afirma ser “preciso chegar a uma adequação, mas não com esse calor que as pessoas dizem, porque aí acham que estamos num deserto legislativo — o que não é verdade”.

E o que se pode fazer?
Segundo a delegada Alessandra Saturnino, em casos de crime contra a honra, muito comuns na web, o que se deve fazer é procurar delegacias ou setores da polícia especializados em crimes digitais e apresentar provas. Deve-se imprimir a página, com cabeçalho e rodapé. É importante mencionar que print screens (imagens da tela do computador) não podem ser apresentados, pois podem ser alterados e manipulados.

Sobre as investigações criminais para coleta de provas, Alessandra prefere não dar detalhes. Ela diz que não é interessante para a Polícia revelar quais técnicas, procedimentos e equipamentos são usados para evitar que os criminosos se preparem. “Para nós, é mais interessante que não saibam do que somos capazes.”


Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 10 de julho de 2011

O papel das redes sociais na luta contra ditadores


Desde 15 de maio, manifestantes ocupam a Puerta del Sol, no centro de Madrid, protestando por reformas políticas. Esse movimento, chamado 15-M, tem ao menos uma semelhança com as revoluções que estão ocorrendo no Oriente Médio e no norte da África: o intenso uso das redes sociais.

Wiki — derivado da expressão wiki wiki, que significa “extremamente rápido” no idioma havaiano — é um tipo de software que permite a edição coletiva de documentos, como a Wikipedia, enciclopédia online para a qual qualquer um pode contribuir, diferentemente das enciclopédias tradicionais, criadas por especialistas. Daí a analogia com as revoltas atuais, que não têm resultado da atuação de lideranças conhecidas, mas de movimentos populares que se auto-organizam, e que por isso têm sido chamadas de "Revoluções Wiki".

As ferramentas que hoje permitem organizar esses protestos são diferentes daquelas existentes duas décadas atrás. 1989 foi o ano do Massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim, onde o Partido Comunista suprimiu as manifestações contra seu governo. Esse também foi o ano da queda do Muro de Berlim. Esses acontecimentos foram divulgados pela televisão e pelo rádio. Fossem diferentes os instrumentos, será que o governo chinês não teria sido bem sucedido em sua repressão? Será que a derrocada dos regimes comunistas do leste europeu teria acontecido de forma mais acelerada?

Difícil dizer. Mas o fato é que o uso de alguns instrumentos relativamente novos vem crescendo de forma impressionante. O número de telefones celulares em funcionamento aumentou de 12 milhões em 1990 para quase 5 bilhões em 2010, e só nos últimos dez anos os celulares com câmeras começaram a se popularizar. De 1995 para cá, a Internet passou de 16 milhões para 2 bilhões de usuários. O YouTube existe há apenas 6 anos. O Twitter registrou no ano passado o incrível número de 65 milhões de mensagens por dia, trocados entre seus quase 200 milhões de usuários. O Facebook foi criado em 2004 e já tem mais de 600 milhões de usuários. Vídeos feitos por meio de celulares e transmitidos pelo YouTube, assim como mensagens e fotos propagadas pelo Facebook ou pelo Twitter, têm contribuído de forma decisiva para as revoltas atuais.

Uma das consequências previsíveis do enfraquecimento do Estado soberano resultante da globalização e da revolução tecnológica era que o acesso a mais informações e o contato com outras culturas acabaria por complicar a vida dos ditadores, que teriam cada vez mais dificuldades em se sustentar no poder. As “Revoluções Wiki” no Oriente Médio e no norte da África mostram que as ferramentas tecnológicas permitem que manifestantes se organizem de forma eficiente, com agilidade decisiva para derrubar regimes autoritários que, anos atrás, pareciam inabaláveis.

A novidade, no caso do movimento espanhol 15-M, é que também os governos democráticos precisam andar na linha, se não quiserem enfrentar a avalanche de posts e de pessoas nas ruas que pode apeá-los do poder.

Eduardo Felipe Pérez Matias é doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo e D.E.A. pela Universidade de Paris II, sócio de L.O.Baptista Advogados, autor do livro A Humanidade e suas Fronteiras – do Estado soberano à sociedade global e ganhador do prêmio Jabuti
Revista Consultor Jurídico, 27 de julho de 2011

Normas para punir o cibercrime são desafiadoras


Artigo originalmente publicado na edição desta quarta-feira (27/7) do jornal Valor Econômico

A Câmara dos Deputados se vê diante de um dilema. Projeto de lei de sua própria iniciativa - o famoso PL 84, de 1999 (Lei de Cibercrimes) - arrisca transformar-se em ácido desafio ao poder de autodefinição da Casa. Iniciado em 1999, voltado para a repressão dos crimes eletrônicos, o projeto tramita há 12 anos no Parlamento. Aprovado pela própria Casa que o iniciou, foi ao Senado, onde recebeu texto substitutivo de sua versão original. Aprovado por unanimidade em julho de 2008 pelo voto de Senadores da oposição e da situação, retornou, então, à Casa de origem, para votação conclusiva da superposição de textos (da própria Câmara e do Senado).

O problema surge aí. Primeiro, porque, ao receber de volta projeto modificado pelo Senado, a Câmara, regimentalmente, não pode imprimir-lhe modificações essenciais. Pode suprimir disposições e expressões criadas pelo Senado, desde que não altere a essência votada. No máximo, pode rejeitar alterações da Casa Alta. Mas, se o fizer, fará prevalecer seu próprio texto (no caso, aquele iniciado e aprovado, por ela, a partir de 1999).

Parece um xadrez. A rigor, é o mecanismo regimental de solução do conflito de vontades legislativas de uma Casa parlamentar e outra, que a Constituição assegura. Mas, o aspecto dificultador desta atuação definidora da Câmara quanto aos cibercrimes surge de um ponto consequente a estas possibilidades. Está ligado ao tema do projeto. A Câmara, se recusar à vontade unânime do Senado, terá que entregar à sanção presidencial sua própria visão, expressa no texto por ela votado há anos. Dará à sociedade a informação de que os 12 anos de tramitação dos crimes eletrônicos no Brasil serviram para acentuar que os Senadores não terão tido a melhor visão do cibercrime brasileiro e que esta deve ser a mais antiga; não, a mais nova do Parlamento. Essa engenharia do mal cresce à sombra da impunidade por falta de lei atual.

Democracia representativa funciona assim. Há que respeitá-la. Se a visão da Câmara que iniciou o projeto for esta, que se conclua a votação que, neste momento, completa seu último biênio de indefinição, desde o momento em que retornado o projeto à Casa de origem. O projeto retornou às Comissões de Ciência e Tecnologia, Constituição e Justiça e de Crimes Financeiros, que realizaram, neste último semestre, duas novas audiências públicas para análise do texto do Senado.

O fato é que, abertas as apostas sobre a prevalência do texto final - se o antigo, da Câmara; se o novo, do Senado - uma comunidade ampla aguarda o desfecho. Nela, estão em jogo interesses corporativos, públicos e privados, e individuais. Interesses que, para ficar no campo dos serviços públicos do Estado, assustou-se, por exemplo, com a ousadia de recentes ataques cibernéticos, de alta tecnologia, a sites do governo federal (20 páginas atacadas) e municipal (mais de 200 sites atacados, muitos retirados do ar, por crackers e pichadores eletrônicos); ataques que, pela sofisticação do meio usado, só puderam ser percebidos quando já haviam sido subjugados e ridicularizados por mensagens de protesto os sites públicos.

Essa engenharia do mal, que monopoliza o conhecimento (da computação sofisticada e dos protocolos de redes), cresce à sombra da impunidade gerada por insuficiência regulamentar de desatualizados instrumentos legais do país, como o Código Penal de 1940. Para cuidar da nova realidade, só lei atualizada. A tecnologia, sozinha, não dará conta. Só a lei garante oportunidade de defesa e prova justa, próprias das democracias amadurecidas.

O Brasil se integrará a cenários internacionais se a tiver. Nesses cenários, aliás, por adesão histórica à antiga Convenção (Europeia, de cibercrimes), quase 50 países não só da Europa, mas da Ásia, África, Américas do Norte e do Sul, já se adiantaram, instrumentalizando-se com leis de combate ao ciberterrorismo. O projeto de lei sob definição da Câmara cumpre o papel de atualizar o Código Penal brasileiro/1940, dando-lhe 11 novos crimes eletrônicos de alta tecnologia, como o ataque cibernético, a pixação eletrônica, a difusão de vírus, a pescaria e o estelionato com uso de redes.

Cinquenta milhões de internautas no Brasil (setembro/2010 - Ibope/Nielsen) têm direito a essa adequação. O 5º país do mundo em número de conexões/web, o 1º no ranking mundial do tempo médio de navegação na internet, o detentor do "record" de vendas em 2010 pela internet, o possuidor de 60 milhões de computadores (previsão de 100 milhões para 2012), o prestador inédito de serviços públicos eletrônicos, o promotor do sistema financeiro de pagamentos (e-banking adotado por 14% da população), o implementador de 200 milhões de telefones celulares com 10% de smartphones com internet móvel, não pode perder o bonde desta história.

O Brasil está compelido a disciplinar, agora, a ação de seus cibercriminosos.

Fernando Neto Botelho é desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, MBA em gestão de telecomunicações pela Ohio University/FGV-USA e especialista em telecomunicações no Judiciário.

Revista Consultor Jurídico, 27 de julho de 2011