29 de julho de 2011

Esquerda e Direita


"Esquerda" e "Direita" são uma forma comum de classificar posições políticas, ideológicas, ou partidos políticos. A oposição entre as duas correntes é imprecisa, ampla, e consiste numa interpretação dicotômica de uma série de fatores determinantes. Geralmente são entendidas como polaridades opostas de um mesmo espectro político e ideológico. Assim, um partido poderia ser "esquerda" em determinadas instâncias e "direita" em outras. A origem dos termos remonta à Revolução Francesa, onde os membros do Terceiro Estado se sentavam à esquerda do rei enquanto os do clero e da nobreza se sentavam à direita. Os mais radicais que normalmente eram contra as decisões ficaram conhecidos como a esquerda enquanto os favoráveis as decisões eram os de direita.


Não há fatores determinantes e conclusivos que descrevam a "esquerda" ou a "direita", dependendo geralmente dos grupos e viés dos defensores de um lado ou de outro. Geralmente algumas definições usadas para definir os lados:

Esquerda
Intervencionismo econômico
Economia socializada
Estado grande
Igualdade de renda
Coletivismo
A vontade do povo está acima da lei

Direita
Liberalismo econômico
Economia familiar
Estado pequeno
Igualdade de oportunidades
Individualismo
A lei está acima da vontade do povo

Quadro acima pode estar politicamente enviesado

Histórico

Luís XVI teve de declarar a "bancarrota" do Estado. A fim de resolvê-la, convocou em 1788 os Estados Gerais, um parlamento medieval que se tinha reunido pela última vez em 1614 (primeiro estado: o clero; segundo estado: a nobreza; terceiro estado: o resto da população).
Depois de afirmar que o rei não mandava nada, os Estados Gerais transformaram-se em Assembleia Nacional (não dos estados, mas do povo), propôs eleições e dissolveu-se. Nasceram como cogumelos vários clubes políticos. O mais importante foi o clube bretão, de Danton e Robespierre. O clube mudou-se para um convento jacobino, e por isso os seus membros passaram a ser designados por jacobinos. Para outros, este clube era muito burguês, e fundaram o Clube Cordelier, de Marat (o clube reunia no mosteiro Cordelier, franciscano). Do outro lado do espectro político, os monárquicos fundaram o seu próprio clube, o de Lafayette e Talleyrand.
Realizaram-se as eleições e a assembleia foi eleita. Escolheram-se os lugares. Os radicais ficaram do lado esquerdo. Os fiéis ao rei ficaram do lado direito. É daí que vêm as designações "esquerda" e "direita".
É curioso pensar o que seria da política caso os realistas tivessem escolhido o lado esquerdo e os radicais o lado direito.


28 de julho de 2011

É preciso entender a internet antes de se criar leis


A falta de leis específicas para tratar da internet costuma criar a sensação de que os autores de cibercrimes sempre ficarão impunes. Especialistas, entretanto, ressaltam que muitos dos crimes e ofensas no ambiente virtual já estão previstos na legislação em vigor. Criar leis para a internet não é urgente.

A delegada Alessandra Saturnino, coordenadora da Gerência de Crimes de Alta Tecnologia (Getat), da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso, considera exagero falar em impunidade. Ela explica que muitos dos crimes praticados pela internet estão descritos no Código Penal, “só mudam a arma de fogo e o meio usado para atuar, o modus operandi”, diz.

Mas reconhece que faltam leis para o setor. Alessandra acredita que há casos em que existe um “limbo” legislativo, pois nem sempre há previsão legal para as ações. Invadir um site, mas não fazer nada além disso, por exemplo, ainda não pode ser considerado crime. “Existem figuras que estão à margem da lei, e precisamos trazê-las para o mundo jurídico, para a esfera penal.”

O advogado Omar Kaminski, autor do site Internet Legal, entende que há “uma grande histeria” para os casos de crimes considerados sem maiores consequências. Para ele, a sociedade está passando por uma redefinição de valores, e “coisas tolas e bobas” são levadas à delegacia sem razão. Ele acredita que estão usando esse momento como pretexto para convencer as pessoas de questões políticas — como o embate entre a criação do Marco Civil da Internet e a votação do PL 84/99.

A impunidade dos crimes digitais, na visão de Kaminski, é de fundo sociológico. Segundo ele, a internet mudou a forma com que as pessoas se relacionam, bem como a dimensão da repercussão que uma mensagem pode tomar, e é isso que precisa ser discutido. Para o advogado, o que falta é um tratamento adequado para a web, e não uma legislação específica.

"Legismania"
Kaminski acredita que o Brasil sofre de um mal: acha-se que todos os problemas do país podem ser resolvidos com a criação de novas leis, é a "legismania". “Mas isso nunca nos garantiu segurança jurídica até hoje, e nem vai”, afirma.

O advogado Guilherme Bastian, do escritório BKBG, conta que, enquanto não há leis para crimes digitais, o trabalho dos advogados tem sido o de levar informações técnicas aos juízes. Com isso, diz, criam-se jurisprudências que suprem essa lacuna. No entanto, sustenta que para chegar a um entendimento uniforme sobre o assunto, é necessário “correr um caminho um pouco mais longo” do que simplesmente a criação de uma lei.

Bastian reconhece que, se houvesse leis definidoras, o trabalho dos juízes e advogados seria facilitado. Mas defende que não se pode restringir o uso da web com regulações limitantes. “No papel, há decisões muito fáceis de se cumprir, mas no mundo real é impossível”, diz, argumentando que “a solução não é regular, mas sim criar uma forma aberta de se entender as relações [na web]”.

Ivan Lira, juiz titular da 5ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, corrobora a visão de Bastian. Ele defende uma adequação legal, mas não a criação indeterminada de leis, “porque isso acaba criando um processo de hiperpenalização ineficiente”. Lira acredita que o exagero legislativo tende à letra morta, em que os textos “vão direto para a prateleira”.

O juiz acredita que grande parte dos crimes digitais, como as questões relacionadas a direito autoral de software ou invasão de sistemas, já estão previstas na legislação atual. Por isso, acredita que os que reclamam de desamparo legal para a internet estão “equivocados”.

Professor de Direito Penal há 20 anos, Ivan Lira defende o “esvaziamento” de sua área. Não por desprestígio, mas para “dar leveza ao Direito Penal e deixar a ele só o que for impossível de ser tratado em outras áreas”. Ele afirma ser “preciso chegar a uma adequação, mas não com esse calor que as pessoas dizem, porque aí acham que estamos num deserto legislativo — o que não é verdade”.

E o que se pode fazer?
Segundo a delegada Alessandra Saturnino, em casos de crime contra a honra, muito comuns na web, o que se deve fazer é procurar delegacias ou setores da polícia especializados em crimes digitais e apresentar provas. Deve-se imprimir a página, com cabeçalho e rodapé. É importante mencionar que print screens (imagens da tela do computador) não podem ser apresentados, pois podem ser alterados e manipulados.

Sobre as investigações criminais para coleta de provas, Alessandra prefere não dar detalhes. Ela diz que não é interessante para a Polícia revelar quais técnicas, procedimentos e equipamentos são usados para evitar que os criminosos se preparem. “Para nós, é mais interessante que não saibam do que somos capazes.”


Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 10 de julho de 2011

O papel das redes sociais na luta contra ditadores


Desde 15 de maio, manifestantes ocupam a Puerta del Sol, no centro de Madrid, protestando por reformas políticas. Esse movimento, chamado 15-M, tem ao menos uma semelhança com as revoluções que estão ocorrendo no Oriente Médio e no norte da África: o intenso uso das redes sociais.

Wiki — derivado da expressão wiki wiki, que significa “extremamente rápido” no idioma havaiano — é um tipo de software que permite a edição coletiva de documentos, como a Wikipedia, enciclopédia online para a qual qualquer um pode contribuir, diferentemente das enciclopédias tradicionais, criadas por especialistas. Daí a analogia com as revoltas atuais, que não têm resultado da atuação de lideranças conhecidas, mas de movimentos populares que se auto-organizam, e que por isso têm sido chamadas de "Revoluções Wiki".

As ferramentas que hoje permitem organizar esses protestos são diferentes daquelas existentes duas décadas atrás. 1989 foi o ano do Massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim, onde o Partido Comunista suprimiu as manifestações contra seu governo. Esse também foi o ano da queda do Muro de Berlim. Esses acontecimentos foram divulgados pela televisão e pelo rádio. Fossem diferentes os instrumentos, será que o governo chinês não teria sido bem sucedido em sua repressão? Será que a derrocada dos regimes comunistas do leste europeu teria acontecido de forma mais acelerada?

Difícil dizer. Mas o fato é que o uso de alguns instrumentos relativamente novos vem crescendo de forma impressionante. O número de telefones celulares em funcionamento aumentou de 12 milhões em 1990 para quase 5 bilhões em 2010, e só nos últimos dez anos os celulares com câmeras começaram a se popularizar. De 1995 para cá, a Internet passou de 16 milhões para 2 bilhões de usuários. O YouTube existe há apenas 6 anos. O Twitter registrou no ano passado o incrível número de 65 milhões de mensagens por dia, trocados entre seus quase 200 milhões de usuários. O Facebook foi criado em 2004 e já tem mais de 600 milhões de usuários. Vídeos feitos por meio de celulares e transmitidos pelo YouTube, assim como mensagens e fotos propagadas pelo Facebook ou pelo Twitter, têm contribuído de forma decisiva para as revoltas atuais.

Uma das consequências previsíveis do enfraquecimento do Estado soberano resultante da globalização e da revolução tecnológica era que o acesso a mais informações e o contato com outras culturas acabaria por complicar a vida dos ditadores, que teriam cada vez mais dificuldades em se sustentar no poder. As “Revoluções Wiki” no Oriente Médio e no norte da África mostram que as ferramentas tecnológicas permitem que manifestantes se organizem de forma eficiente, com agilidade decisiva para derrubar regimes autoritários que, anos atrás, pareciam inabaláveis.

A novidade, no caso do movimento espanhol 15-M, é que também os governos democráticos precisam andar na linha, se não quiserem enfrentar a avalanche de posts e de pessoas nas ruas que pode apeá-los do poder.

Eduardo Felipe Pérez Matias é doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo e D.E.A. pela Universidade de Paris II, sócio de L.O.Baptista Advogados, autor do livro A Humanidade e suas Fronteiras – do Estado soberano à sociedade global e ganhador do prêmio Jabuti
Revista Consultor Jurídico, 27 de julho de 2011

Normas para punir o cibercrime são desafiadoras


Artigo originalmente publicado na edição desta quarta-feira (27/7) do jornal Valor Econômico

A Câmara dos Deputados se vê diante de um dilema. Projeto de lei de sua própria iniciativa - o famoso PL 84, de 1999 (Lei de Cibercrimes) - arrisca transformar-se em ácido desafio ao poder de autodefinição da Casa. Iniciado em 1999, voltado para a repressão dos crimes eletrônicos, o projeto tramita há 12 anos no Parlamento. Aprovado pela própria Casa que o iniciou, foi ao Senado, onde recebeu texto substitutivo de sua versão original. Aprovado por unanimidade em julho de 2008 pelo voto de Senadores da oposição e da situação, retornou, então, à Casa de origem, para votação conclusiva da superposição de textos (da própria Câmara e do Senado).

O problema surge aí. Primeiro, porque, ao receber de volta projeto modificado pelo Senado, a Câmara, regimentalmente, não pode imprimir-lhe modificações essenciais. Pode suprimir disposições e expressões criadas pelo Senado, desde que não altere a essência votada. No máximo, pode rejeitar alterações da Casa Alta. Mas, se o fizer, fará prevalecer seu próprio texto (no caso, aquele iniciado e aprovado, por ela, a partir de 1999).

Parece um xadrez. A rigor, é o mecanismo regimental de solução do conflito de vontades legislativas de uma Casa parlamentar e outra, que a Constituição assegura. Mas, o aspecto dificultador desta atuação definidora da Câmara quanto aos cibercrimes surge de um ponto consequente a estas possibilidades. Está ligado ao tema do projeto. A Câmara, se recusar à vontade unânime do Senado, terá que entregar à sanção presidencial sua própria visão, expressa no texto por ela votado há anos. Dará à sociedade a informação de que os 12 anos de tramitação dos crimes eletrônicos no Brasil serviram para acentuar que os Senadores não terão tido a melhor visão do cibercrime brasileiro e que esta deve ser a mais antiga; não, a mais nova do Parlamento. Essa engenharia do mal cresce à sombra da impunidade por falta de lei atual.

Democracia representativa funciona assim. Há que respeitá-la. Se a visão da Câmara que iniciou o projeto for esta, que se conclua a votação que, neste momento, completa seu último biênio de indefinição, desde o momento em que retornado o projeto à Casa de origem. O projeto retornou às Comissões de Ciência e Tecnologia, Constituição e Justiça e de Crimes Financeiros, que realizaram, neste último semestre, duas novas audiências públicas para análise do texto do Senado.

O fato é que, abertas as apostas sobre a prevalência do texto final - se o antigo, da Câmara; se o novo, do Senado - uma comunidade ampla aguarda o desfecho. Nela, estão em jogo interesses corporativos, públicos e privados, e individuais. Interesses que, para ficar no campo dos serviços públicos do Estado, assustou-se, por exemplo, com a ousadia de recentes ataques cibernéticos, de alta tecnologia, a sites do governo federal (20 páginas atacadas) e municipal (mais de 200 sites atacados, muitos retirados do ar, por crackers e pichadores eletrônicos); ataques que, pela sofisticação do meio usado, só puderam ser percebidos quando já haviam sido subjugados e ridicularizados por mensagens de protesto os sites públicos.

Essa engenharia do mal, que monopoliza o conhecimento (da computação sofisticada e dos protocolos de redes), cresce à sombra da impunidade gerada por insuficiência regulamentar de desatualizados instrumentos legais do país, como o Código Penal de 1940. Para cuidar da nova realidade, só lei atualizada. A tecnologia, sozinha, não dará conta. Só a lei garante oportunidade de defesa e prova justa, próprias das democracias amadurecidas.

O Brasil se integrará a cenários internacionais se a tiver. Nesses cenários, aliás, por adesão histórica à antiga Convenção (Europeia, de cibercrimes), quase 50 países não só da Europa, mas da Ásia, África, Américas do Norte e do Sul, já se adiantaram, instrumentalizando-se com leis de combate ao ciberterrorismo. O projeto de lei sob definição da Câmara cumpre o papel de atualizar o Código Penal brasileiro/1940, dando-lhe 11 novos crimes eletrônicos de alta tecnologia, como o ataque cibernético, a pixação eletrônica, a difusão de vírus, a pescaria e o estelionato com uso de redes.

Cinquenta milhões de internautas no Brasil (setembro/2010 - Ibope/Nielsen) têm direito a essa adequação. O 5º país do mundo em número de conexões/web, o 1º no ranking mundial do tempo médio de navegação na internet, o detentor do "record" de vendas em 2010 pela internet, o possuidor de 60 milhões de computadores (previsão de 100 milhões para 2012), o prestador inédito de serviços públicos eletrônicos, o promotor do sistema financeiro de pagamentos (e-banking adotado por 14% da população), o implementador de 200 milhões de telefones celulares com 10% de smartphones com internet móvel, não pode perder o bonde desta história.

O Brasil está compelido a disciplinar, agora, a ação de seus cibercriminosos.

Fernando Neto Botelho é desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, MBA em gestão de telecomunicações pela Ohio University/FGV-USA e especialista em telecomunicações no Judiciário.

Revista Consultor Jurídico, 27 de julho de 2011