7 de junho de 2011

Teste de DNA reabre discussão sobre paternidade


As decisões tomadas em processos judiciais de investigação de paternidade que foram encerrados por falta de provas podem ser rediscutidas diante do avanço tecnológico dos meios de produção de provas. Esse foi o principal fundamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, nesta quinta-feira (2/6), para admitir a reabertura de uma ação na qual não se conseguiu provar a paternidade de uma criança porque a mãe não tinha dinheiro para custear o teste de DNA.
A decisão foi tomada por sete votos a dois. O relator do processo, ministro Dias Toffoli, decidiu que a chamada coisa julgada (quando a decisão se torna definitiva e não pode mais ser discutida) não pode prevalecer sobre o direito de uma pessoa de conhecer suas origens. De acordo com o relator, a Justiça deve privilegiar “o direito indisponível à busca da verdade real, no contexto de se conferir preeminência ao direito geral da personalidade”.
Em seu voto, de 47 páginas, Dias Toffoli registra: “Trata-se de pura e simplesmente reconhecer que houve evolução nos meios de prova e que a defesa do acesso à ‘informação sobre a paternidade’ deve ser protegida porque se insere no conceito de direito da personalidade”. O ministro não se baseou no princípio da dignidade humana para admitir a reabertura da ação.
Ao contrário, em seu voto, Toffoli afirma que invocar o princípio da dignidade humana para decidir o caso era desnecessário. O ministro, inclusive, criticou o uso indiscriminado desse princípio em decisões judiciais.
“Tenho refletido bastante sobre essa questão, e considero haver certo abuso retórico em sua invocação nas decisões pretorianas, o que influencia certa doutrina, especialmente de Direito Privado, transformando a conspícua dignidade humana, esse conceito tão tributário das Encíclicas papais e do Concílio Vaticano II, em verdadeira panacéia de todos os males”, afirmou.
Para Dias Toffoli, “é necessário salvar a dignidade da pessoa humana de si mesma, se é possível fazer essa anotação um tanto irônica sobre os excessos cometidos em seu nome, sob pena de condená-la a ser, como adverte o autor citado, ‘um tropo oratório que tende à flacidez absoluta’.” O ministro rejeitou a necessidade do uso da ponderação de princípios para reconhecer o direito do suposto filho de reabrir a ação e disse que o caso fixa a "superação das ficções legais em torno da paternidade".
Verdade e Justiça
O voto do ministro Toffoli foi proferido em plenário há dois meses. Na ocasião, o ministro Luiz Fux pediu vista do processo. Nesta quinta (2/6), trouxe seu voto e o Supremo concluiu o julgamento. Além do ministro Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Ayres Britto acompanharam o voto de Toffoli.

Mas, ao contrário de Toffoli, Luiz Fux se referiu ao princípio da dignidade da pessoa humana em trechos de seu voto. Para o ministro, a dignidade humana faz parte do núcleo central da Constituição Federal de 1988. Por isso, prevalece sobre a coisa julgada.
A ministra Cármen Lúcia entendeu que, no caso, a decisão por falta de provas já sinaliza que não pode ser considerada imutável a coisa julgada. Ao defender o prosseguimento do processo de investigação de paternidade, ela lembrou que o Pacto de San José da Costa Rica prevê o direito do ser humano a conhecer sua história e suas origens.
Em seu voto, também acompanhando o do relator, o ministro Ricardo Lewandowski observou que o Estado não cumpriu sua obrigação de dar assistência judiciária e integral e gratuita ao menor, no primeiro processo representado por sua mãe. Por isso, cabe agora suprir a lacuna. Ele lembrou que, na doutrina, já se fala hoje até do direito fundamental à informação genética, que já teria sido adotado pela Suprema Corte da Alemanha.
Acompanhando essa corrente, o ministro Ayres Britto observou que o direito à identidade genealógica "é superlativo". No mesmo sentido se pronunciou o ministro Gilmar Mendes, ao também defender o direito à identidade.
Voto vencido
Já o ministro Marco Aurélio e o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, votaram pelo desprovimento do recurso. “Há mais coragem sendo justo parecendo injusto, do que injusto para salvaguardar as aparências de justiça”, disse o ministro Marco Aurélio, ao abrir a divergência. Segundo ele, "o efeito prático desta decisão será nenhum, porque o demandado não pode ser obrigado a fazer o exame de DNA". Isso porque, segundo ele, a negativa de realizar o exame não levará à presunção absoluta de que é verdadeiramente o pai.

O ministro afirmou a Lei 8.560/92, no seu artigo 2-A, decorrente da Lei 12.004/2009 — que regula a paternidade de filhos fora do casamento —, prevê que, na ação de paternidade, todos os meios de prova são legítimos. Ainda de acordo com o ministro, a negativa de realizar o exame gerará presunção de paternidade, mas também esta terá de ser apreciada no contexto probatório. E, em tal caso, há grande possibilidade de o resultado ser negativo.
Segundo ele, cabe aplicar a regra do artigo 468 do Código de Processo Civil, que torna a coisa julgada insuscetível de modificação, salvo casos que excetua. Entre eles, está a Ação Rescisória, possível quando proposta no prazo de até dois anos do trânsito em julgado da sentença. No caso hoje julgado, segundo ele, já transcorreram mais de dez anos. Então, a revisão não é possível.
Último a votar, também para desprover o recurso, o ministro Cezar Peluso disse que se sente à vontade para contrariar a maioria, porque foi por oito anos juiz de Direito de Família e atuou pelo dobro do tempo na Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). "Está em jogo um dos fundamentos da convivência civilizada e da vida digna", disse.
Ao lembrar que se colocou a coisa julgada em confronto com outros princípios constitucionais, aos quais a maioria deu precedência, ele disse que "a coisa julgada é o princípio da certeza, a própria ética do Direito". "O Direito não está na verdade, mas na segurança", disse ele, citando um jurista italiano. "Ninguém consegue viver sem segurança."
Ele observou que o direito à liberdade é um dos princípios fundamentais consagrados na Constituição. Portanto, no seu entender, a se levar ao extremo a decisão de hoje, nenhuma sentença condenatória em Direito Penal, por exemplo, será definitiva, já que, por se tratar de um princípio fundamental dos mais importantes, ele sempre comportará recurso da condenação, mesmo que transitada em julgado.
"Incontáveis ações envolvem direitos fundamentais, que obedecem princípios consagrados na Constituição", afirmou o ministro, lembrando que, mesmo assim, não se vem propondo a desconstituição das decisões nelas proferidas.
Cezar Peluso lembrou que o autor do Recurso Extraordinário julgado hoje propôs várias ações e, nelas apresentou testemunhas, assim como o fez a parte contrária. E em várias delas, desistiu. "Não lhe foi negado o direito de produzir provas. Elas, por si só, poderiam levar o juiz a decidir", afirmou.
Peluso considerou que a decisão terá pouco efeito prático, já que hoje o Estado é obrigado a custear o exame de DNA, e nenhum juiz deixará de determinar a sua realização. "Por tudo isso, eu tenho respeito quase absoluto à coisa julgada", concluiu, lembrando que, no direito romano, res iudicata — coisa julgada — era uma instituição jurídica vital, de coisa julgada que não podia ser revista. "E, sem isso, é impossível viver com segurança", afirmou.
Segundo o ministro, o suposto pai do autor do RE também tem direito à dignidade da pessoa humana. E esse benefício não lhe está sendo concedido, já que vem sendo perseguido há 29 anos por ações de investigação de paternidade, que podem ter repercussão profunda em sua  vida privada.
O caso
Uma ação de investigação de paternidade, cumulada com alimentos, proposta em 1989 pelo autor da ação, por intermédio de sua mãe, foi julgada improcedente, por insuficiência de provas. A defesa alega que a mãe, então beneficiária de assistência judiciária gratuita, não tinha condições financeiras de custear o exame de DNA para efeito de comprovação de paternidade.

Alega, também, que o suposto pai não negou a paternidade. E lembra que o juiz da causa, ao extinguir o processo, lamentou, na época, que não houvesse previsão legal para o Poder Público custear o exame.
Posteriormente, sobreveio uma lei prevendo o financiamento do exame de DNA, sendo proposta nova ação de investigação de paternidade. O juiz de primeiro grau saneou o processo transitado em julgado e reiniciou a investigação pleiteada. Entretanto, o Tribunal de Justiça acolheu recurso de Agravo de Instrumento interposto pela defesa do suposto pai, sob o argumento preliminar de que se tratava de coisa já julgada, e determinou a extinção do processo. É dessa decisão que o autor do processo e o Ministério Público do Distrito Federal recorreram ao STF.
No Supremo, o ministro Joaquim Barbosa observou que o Tribunal de Justiça do DF já mudou sua orientação e já admitiu a reabertura de um processo semelhante de investigação de paternidade.

STF aprova por união homoafetiva - Voto de Ricardo Lewandowski



“Muito embora o texto constitucional tenha sido taxativo ao dispor que a união estável é aquela formada por pessoas de sexos diversos, tal ressalva não significa que a união homoafetiva pública, continuada e duradoura não possa ser identificada como entidade familiar apta a merecer proteção estatal.” A premissa é a essência do voto do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, sobre a possibilidade do reconhecimento de uniões estáveis formadas por pessoas do mesmo sexo.
Por unanimidade, a corte decidiu equiparar as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Na prática, a união homoafetiva foi reconhecida como um núcleo familiar como qualquer outro. A interpretação deu origem ao quarto tipo de família brasileira. Entre outras possibilidades, casais gays agora podem pleitear direito à herança, partilha de bens e pensão alimentícia.
Em seu voto, o ministro Lewandowski lembrou os diferentes conceitos de família definidos pelas Constituições anteriores à de 1988, desde 1937. Segundo ele, todas as definições estavam vinculadas ao casamento. A atual carta foi a primeira a desvencilhar o matrimônio do conceito. “A partir de uma primeira leitura do texto magno, é possível identificar, pelo menos, três tipos de família, a saber: a constituída pelo casamento, a configurada pela união estável e, ainda, a que se denomina monoparental”, explicou Lewandowski.
A princípio, o artigo 226, parágrafo 3º da Constituição, fala apenas em uniões heterossexuais. “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”, prescreve o texto. No entanto, repetindo o que já havia dito em 2008, ao julgar o direito de uma concubina de dividir a herança do comanheiro morto com a viúva no Recurso Extraordinário 397.762, o ministro afirmou que a Constituição delegou a definição de “entidade familiar” para a lei.
Esse foi justamente o ponto de debate entre os ministros ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 no Plenário da corte. Tanto o Código Civil quanto a Lei 9.278/1996 exigem que a família seja formada por homem e mulher, sem qualquer menção a relacionamentos homossexuais. É o que prevê, por exemplo, o artigo 1.723 do Código Civil. “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”, diz o dispositivo.
A trava para uma decisão do Supremo em sentido oposto, de acordo com o ministro, estava no princípio da separação dos Poderes, já que o legislador constituinte fez questão de ser específico quanto à possibilidade de uniões estáveis apenas entre gêneros diferentes.
Única saída encontrada para a inauguração de um novo conceito de família foi a escolha dos ministros, com base, de acordo com Lewandowski, em uma “leitura sistemática” da Constituição. “Não há como enquadrar a união entre pessoas do mesmo sexo em nenhuma dessas espécies de família, quer naquela constituída pelo casamento, quer na união estável, estabelecida a partir da relação entre um homem e uma mulher, quer, ainda, na monoparental”, disse Lewandowski. Segundo ele, o quarto gênero de família daria “concreção aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da preservação da intimidade e da não-discriminação por orientação sexual”.
O entendimento foi socorrido pelo constitucionalista português J.J. Canotilho, citado pelo ministro no Plenário. De acordo com a interpretação do ministro sobre a doutrina do jurista, o caminho escolhido seria possível não graças a uma “interpretação extensiva” da Constituição, mas a uma “integração analógica”, cabível por haver um vácuo normatico que mantém esses relacionamentos na clandestinidade legal.
Por analogia, nesse caso, seria possível aplicar os mesmos efeitos das uniões estáveis às uniões homoafetivas, desde que o rol de tipos de entidades familiares pervisto na Constituição fosse entendido não como taxativo, mas apenas exemplificativo. Ainda assim, a corte conclamou o Poder Legislativo a regrar relações dessa natureza.
“Não há, ademais, penso eu, como escapar da evidência de que a união homossexual, em nossos dias, é uma realidade de elementar constatação empírica, a qual está a exigir o devido enquadramento jurídico, visto que dela resultam direitos e obrigações que não podem colocar-se à margem da proteção do Estado, ainda que não haja norma específica a assegurá-los”, afirmou Lewandowski em seu voto. Ele citou dados do IBGE que, de acordo com o último censo apurado no ano passado, há no país pelo menos 60 mil casais homossexuais autodeclarados.

Clique aqui para ler o voto do ministro Ricardo Lewandowski.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2011-mai-06/leia-voto-ministro-ricardo-lewandowski-uniao-homoafetiva